quarta-feira, 5 de maio de 2010
Seção Cult: 1974 - O Disco Censurado de Roberto Carlos - 1ª Parte
Pouca gente sabe, mas as músicas "A Deusa da Minha Rua" e "Ternura Antiga” não deveriam estar presentes no LP d 1974 de Roberto Carlos. Entraram de tapa-buraco, ocupando o espaço que seria destinado a duas músicas de conotação política (ao menos foi como os censores entenderam na época) e que, por terem sido vetadas, ficaram de fora do disco. Era reflexo da insatisfação de Roberto e Erasmo para com a repressão imposta pelos militares, coisa que já vinha se manifestando em LP's anteriores (como em "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos"). O LP de 1974 não faz críticas diretas à Ditadura mas, de uma maneira genial, questiona as arbitrariedades presentes na sociedade da época.
Roberto e Erasmo já estavam de saco cheio para com a Censura há tempos, talvez pelo modo pedante com o qual o governo tratava os artistas. Para O Homem do Canadá, esse planejado trabalho de 1974 foi uma maneira de ambos externarem esse sentimento, porém como não podiam fazer isso de forma objetiva, utilizava-se de metáforas que, aliás, só fazem acrescentar a um disco que, por si só, já é um clássico. Para exemplificar essa tese, O Homem Do Canadá vai realizar uma análise crítica de cada uma das canções do polêmico vinil.
DESPEDIDA/QUERO VER VOCÊ DE PERTO
Por que a música "Despedida" é a primeira do disco e não a última? Roberto/Erasmo consideravam que toda a despedida é, na verdade, a esperança de um começo (ou recomeço)? Ou eles teriam feito a música como uma referência aos exilados políticos do período que se viram forçados a deixar o Brasil devido ao AI-5 e outros instrumentos de repressão oficial? E aquele verso final: "O meu coração aqui vou deixar/ Não ligue se acaso eu chorar/ Mas AGORA, Adeus". Esse AGORA indicaria a esperança de um retorno, como se quisesse dizer "é uma condição temporária, assim que a coisa se acalmar eu volto".Toda a doçura da canção parece esconder uma metáfora e tanto. Há outra passagem intrigante na letra de "Despedida": "Só me resta agora dizer adeus/ e depois o meu caminho seguir..." Por que "só me resta"? Possivelmente, para a personagem da música, por força das circunstâncias via-se obrigada a partir, não lhe restando alternativa, como ocorreu àqueles que foram exilados ou tiveram de buscar o exílio em razão da política repressiva dos governos militares. Já música "Quero Ver Você de Perto" não apresenta conotações políticas aparentes, mas localiza-se no disco estrategicamente entre "Despedida" e "O Portão", essa sim contendo "algo a mais". Possivelmente, a segunda música do disco (composição de Benito de Paula) aparentemente tem a função de dar uma acalmada (ou “maquiada”) nas coisas.
O PORTÃO
Essa trata do retorno de alguém que, por uma razão não esclarecida ao longo da letra, volta ao lar após longa ausência. Parece ser uma continuação de "Despedida". Li algo sobre a possibilidade de a letra abordar a volta de alguém que precisou ausentar-se do país durante o período de perseguições políticas da Ditadura Militar. Mas a letra, como falei, não torna isso claro - pode estar apenas subentendido. Há ainda a interpretação "bola de cristal": Roberto e Erasmo teriam feito a canção em homenagem àqueles que deixaram o país nessa época, uma espécie de "hino de esperança pelo regresso em tempos melhores". Particularmente, O Homem Do Canadá prefere entender a música como continuação de "Despedida".
TERNURA ANTIGA/ VOCÊ
Com duas músicas a menos no repertório planejado para o disco, Roberto e seus produtores precisavam dar um jeito .O Homem Do Canadá não possui fonte segura para comprovar isso: apenas acredito que "Ternura Antiga", de Dolores Duran, seja suspeita em potencial de ter servido como tapa-buraco. A música é linda - Dolores era compositora consagrada - e Roberto deu à canção uma interpretação visceral, cativante, mas que deixa uma pulga atrás da orelha. No quesito "tapa-buraco", entra também a anêmica "Você". Rica em clichês românticos do tipo que nem Paulo Sérgio usava muito, poderia ter sido composta por um garoto do Ensino Médio: soa piegas demais. Parecia ser aquela música que estava guardada entre os papéis do Rei, aí precisou de alguma coisa e falou: "vamos gravar aquela que a gente não gostou muito, estamos com pressa bicho!" e aí rolou. Num trabalho que congrega pérolas, "Você" nos dá vontade de ouvir a outra "Você", do Tim Maia.
Na próxima Seção Cult, concluiremos a análise deste LP de Roberto Carlos.
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