quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Seção Cult: 1974 - O Disco Censurado de Roberto Carlos - 3ª Parte
Fechando a análise do LP Roberto Carlos, de 1974, vamos à 3ª e última parte desta Seção Cult, desta vez interpretando as canções que figuravam no lado B do disco.
EU QUERO APENAS
Passando meio despercebida como 1ª música do lado B (estamos falando do Lp lançado na época, 1974), essa é, de longe, a música mais politizada nesse trabalho do Rei. Escondidas por metáforas quase lúdicas estão mensagens de inconformismo e apelo à união por um bem comum.
A começar pelo título: "Eu quero apenas", ou seja, peço pouco, não almejo muita coisa, solicitando o mínimo possível dentro daquilo que é possível querer. "Eu quero apenas cantar meu canto" é um verso que deixa clara a insatisfação de Roberto/Erasmo para com a censura na época, para com a repressão, à falta de liberdade.
"Quero levar o meu canto amigo a qualquer amigo que precisar" sugere a união de todos por um bem comum. "Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar" sugere que, unidos, todos serão mais fortes e assim terão voz ativa frente a qualquer opressão - daí o "poder cantar", pois sozinho não seria possível conseguir muita coisa.
"E no caminho o que eu pescar quero dividir quando lá chegar": novamente uma referência à união de todos que se completa na repetição do verso "quero levar o meu canto amigo" e etc.
“Eu quero crer na paz do futuro", sugere a esperança de dias melhores; "Eu quero ter um quintal sem muro": as pessoas constroem muros por que têm medo do que há do lado de fora; "quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre" é um verso que deixa bem óbvio o que os compositores queriam dizer.
"Eu quero o amor decidindo a vida", não os homens; "sentir a força da mão amiga", não a que oprime; "o meu irmão com sorriso aberto, se ele chorar quero estar por perto": novamente apelo pela união.
"Cante comigo também meu canto": Roberto/Eramos sugerem que todos alimentem a mesma esperança, um futuro com mais liberdade e fraternidade, coisa que só seria possível mediante a união de todos. "eu só não quero cantar sozinho, eu quero um coro de passarinhos" fecha ludicamente a beleza da união entre as pessoas.
JOGO DE DAMAS
Se "Eu Quero Apenas" é a mais subversiva (usando termo comum na época), "Jogo de Damas" é a mais ousada canção do disco.
A história do sujeito que se apaixona por uma ex-prostituta poderia ser um escândalo em 1974, não fossem as metáforas primorosas de Isolda e Milton Carlos. Aos ouvidos do "cidadão comum", tais versos soariam como só mais uma música. Para ouvidos mais interpretativos, versos como "pra quem te conhece, você é vulgar; pra quem nunca te viu, hoje quer te amar" tornam óbvia a velha história do "teu passado te condena" e "o que os olhos não vêem, o coração não sente". Músicas sobre prostitutas já haviam sido gravadas antes (como "Dolores Sierra", de Wilson Batista), mas não por um recordista de vendas como Roberto Carlos e no auge da ditadura militar e do Departamento de Censura da Polícia Federal.
RESUMO/A DEUSA DA MINHA RUA
"Resumo" é uma canção que, sendo de Roberto/Erasmo, acaba soando diferente. É a última do disco a indica certa insatisfação por parte dos autores. Nesse caso, a letra aborda claramente a falta de perspectivas diante da vida, cuja única forma de alívio pode ser o sentimento de amor. Sua posição no disco a coloca como um tipo de transição entre a temática do LP e canções mais tradicionais à linha do Rei. "Qual folha que vaga, sem rumo e sem vida/ eu sou o consumo de um sol sem calor/ enfim sou resumo do riso e da dor" são versos que mostram a dualidade existente entre essa desesperança e a vontade de sentir-se feliz.
"A Deusa Da Minha Rua" é um possível tapa-buraco para uma das prováveis músicas engavetadas pela censura. Clássico da seresta, noutras condições poderia não ter sido gravada pelo Rei, então no auge de sua juventude e inspiração artística.
A ESTAÇÃO/ EU ME RECORDO
"A Estação" dispensa comentários pois estes seriam complementares – trata-se de uma bela canção e ponto. "Eu Me Recordo" teve como função encerrar o disco de 1974 de forma bastante romântica, talvez para disfarçar pouco mais as muitas metáforas de contestação da política vigente na época presentes em algumas das outras músicas. Tem uma belíssima construção rítmica, uma letra romântica sem o pieguismo de "Você" e, no entanto, quase não se fala desta canção nos espaços destinados à RC na mídia. Particularmente, costumo colocar esta música no mesmo patamar de "Olha" ou "Outra Vez", e não por questão de gosto, mas pelas qualidades inerentes a este trabalho de Roberto.
Assim finalizamos essa Seção Cult. O Homem Do Canadá espera que tenha sido proveitosa de alguma maneira para os visitantes do blog – tanto aqueles que conhecem quanto aqueles que não tiveram oportunidade de contemplar esse momento diferente na discografia de Roberto Carlos.
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